terça-feira, 18 de novembro de 2014

BELÉM, EXORCIZAR O PASSADO E ESCAVAR O FUTURO

Já que o Facebook insiste em restringir certas palavras de alto calão,  publico aqui a versão integral do texto que publiquei naediçao de aniversário de O Liberal.

Flávio Sidrim Nassar
Arquiteto, Coordenador do Fórum Landi - UFPA

Para falar do futuro de Belém precisamos exorcizar alguns fantasmas do passado.
Minha avó dizia que tinha caído uma praga sobre Belém, quando da deposição de Lemos ocorrida com tamanha vileza, traição tramada dentro de sua casa como aranhas que tecem teias por trás dos móveis, das portas, dos quadros, até enredar tudo.
Se Cristo teve Judas; Tiradentes, Silvério; Cézar, Brutus; o Velho Lemos teve uma corja de judas, silvérios e brutus. Esta maldição teria caído no justo momento em que o espanhol Semblano, ao vir as atrocidades que os antigos bajuladores do Velho cometiam contra ele, bradou com ira santa: Ô TERRA DE FILHAS DA PUTA.
Outro pecado, comparável a essa maldições, também terá obstruído nossos caminhos, trancado nossas ruas.
Quem tiver ouvidos ouça o nosso protetor Santo Antônio José Landi (afaço uma pausa para dividir com o leitor, algo que me enregela coração e fígado. Dizem que nada acontece por acaso, nem mesmo um fio de cabelo cai de nossa cabeça sem um propósito determinado, tudo já está escrito – maktub.
Belém teve dois benfeitores, demiurgos, heróis, dois santos padroeiros, (além de Nossa Senhora de Nazaré, que está acima de tudo, e ai de quem ousar discutir isso), Antônio José Landi, AJL e Antônio José Lemos, AJL. Dois homens, o mesmo anagrama, mesmos pré-nomes, mesmo número de letras no sobrenome. Paro aqui antes que o terror me paralise.
Voltemos aos fatos sobre os quais se ocupa o historiador e não o cabalista. O nosso primero padroeiro, Landi, trouxe para cá, como o devido reconhecimento do cardeal de Bolonha, fragmento do fêmur de Santana, mãe da virgem Maria, avó do Salvador do Mundo, que foi devidamente colocada em relicário de ouro e prata. Pois bem, nossa incúria, irresponsabilidade, burrice ou azar, ou na ordem inversa, onde talvez, encontre mais senso, permitiu que esta relíquia fosse roubada.
Em uma velha e fatigada manhã o sacristão passou em frente ao altar, olhou, firmou a vista, esfregou os olhos. Aproximou-se, cutucou-se, constatando que ainda era vivente, e que aquilo que vira, era que não via o relicário sobre o altar, “o lugar mais limpo”.
Os gritos de Semblano, agora pareciam acompanhados de chicotadas na expulsão dos vendedores do templo: Ô TERRA DE FILHAS DA PUTA.
Imagine o prejuízo místico, metafísico para nossa cidade!
No caos do Comércio, que nós emerdoamos, que esgotamos até não mais poder, debaixo daquela cúpula que nos esforçamos em tornar ridícula (só não fomos capazes de fazê-lo porque ela tem a virtude sublime da arte), debaixo daquela miniatura do firmamento, cercado de ruídos estridentes, barulhos infernais, lixo, abandono, descaso, ruínas urbanas, ruínas humanas, havia um fragmento do osso da coxa da avó de Jesus, da mãe de Nossa Senhora de Nazaré, – quanto prestígio nossa cidade, e nós, seus habitantes, poderíamos gozar com a presença dessa relíquia bem ali na Campina.
Pedido de sua mãe em Caná, Jesus não recusou, mesmo advertindo-a que não era sua hora (como recusaria um pedido da avó?).
Aquela sagrada coxa que Leonardo representou acolhendo a Virgem sentada e em seu colo o Menino, era, sem dúvida, a relíquia da maior dignidade celeste na Terra da Santa Cruz. Coxa sobre qual tantas vezes o Menino Jesus fez xixi, sobre a qual Maria aprendeu a ler com Santana Mestra.
Bem aventurados os idiotas que não sabem o perigo que correm, teria advertido o Engole Cobra aos que não acreditavam que o Juízo seria breve. Essa bem-aventurança não nos acode. Ninguém pode perder a chave da porta do céu.
Não termos percebido ali um buraco-negro, uma fenda,  um desvão semântico entre Universos, que suga energia de uma dimensão para alimentar outra, um ponto de passagem da terra para o céu. Estávamos a dois passos do paraíso, aquele fragmento, atestava o Cardeal de Bolonha, continha o DNA mitocondrial de Deus.
Não há separação absoluta entre corpo e alma, se a alma esta no céu gozando da contemplação inefável, a partícula também está usufruindo deste prazer, também está conectada, está ligada neste barato. Logo os daqui, os que vão morrer, poderiam através desta mídia mandar diretamente seus recados, tuitados, zapeados, que chegados a ela, já estariam praticamente no coração de Jesus; daí bastava um cochicho no ouvido:
“ - Meu netinho ajude aquela cidade, lá eles têm especial amor pela sua mãe”, e zapt os milagres aconteceriam. Alguém já viu neto negar pedido de avó em nome de sua mãe? 100 % garantido!
Sendo cético, uso essa história comovente e triste, como recurso literário para mostrar como temos tratado nossa memória, nossa cultura, nosso imenso patrimônio.
Não adianta chorar sobre o derramado, sorte nossa que temos ainda muitas virtudes para nos ajudarem nas festas desses 400 anos de Civilização Cristã.
Comecemos pela fundação. Belém foi sonhada  para ser a nova BELÉM, a nova cidade do SALVADOR DOS HOMENS, desde 1625 herdou para as suas armas a advertência de Miqueias "nequaquan minima es"... "Mas tu, Belém... de modo algum, és a menor entre as principais cidades".
A nossa cidade foi imaginada para cumprir antigas esperanças do imaginário de nossa Civilização: Nova Jerusalém, Capital do Quinto Império, Terra sem Males. Para isso, ela deveria ser fundada em 25 de dezembro, num dia de Natal. Como não era possível prever o tempo que levaria para se chegar saindo de São Luís do Maranhão, a expedição fundadora partiu na noite de Natal.
Sobre nenhuma outra cidade no novo mundo podem ser atribuídas tantas predestinações proféticas ou projetos políticos de poder. As profecias do sapateiro Bandarra que depois inspirariam o Pe. Antônio Vieira, os projetos geopolíticos do Marquês de Pombal se contrapondo às ambições de um estado teocrático jesuítico e, depois, tudo isso misturado no chibé numerológico de Felipe Patroni, provando e tirando a prova dos nove que éramos mesmo o umbigo do mundo.
Disto restam alguns vestígios irrefutáveis. Aqui foi erguida a maior catedral nas terras de ultramar do Reino, a nossa igreja da Sé e o maior palácio administrativo nas terras brasílicas,  o nosso palácio Lauro Sodré, inventado por Landi.
Não precisamos assumir todas estas responsabilidades. Escolhamos voltar a ser, perante o Brasil e o mundo, a METRÓPOLE de referência da Amazônia em beleza e em justiça.

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