sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

De volta à Valeria, a cidade

Em 24 de Janeiro de 1997 publiquei em o Liberal o artigo abaixo, falava da renovação urbana de Belém e do Carnaval.
Algumas coisas mudaram, mas é impressionante como continuamos discutindo as mesmas coisas, não conseguimos sair do lugar. Belém continua marcado passo.
O artigo se chama Valéria, veja porque.


Valéria é uma estranha cidade cujo lugar privilegiado e ponto de encontro predileto de muitos de seus moradores, é a orla de uma vala; de uma cloaca pública no “urbanês” do Império Romano. Apesar da cidade ser rodeada de rios e baías, é justamente ali que seus habitantes, se divertem, passeiam, comemoram.
Imaginem-a como uma das cidades invisíveis de Ítalo Calvino: “Valéria, a cidade onde seus habitantes se divertem ao longo de seus dejetos e, ao tempo em que se oferecem à praticas de fisiculturismo respiram um ar impregnado de maus odores.”
Na trilha da ficção de Calvino, pode-se ainda entrever o espanto do grande Kublai Khan ao ouvir de Marco Polo mais um relato sobre essas cidades incomuns, todas com nome de mulher, e os estranhos hábitos de seus moradores.
Estou falando de Belém e da Doca de Souza Franco.
A verdade é que dentro do precário sistema sanitário de drenagem de Belém, o outrora heróico Igarapé das Armas, hoje, desempenha a função de esgoto a céu aberto.
Em outras cidades, os lugares privilegiados com recursos urbanísticos, são as praias, as beiras dos rios ou os parques, por permitirem a contemplação de belezas naturais. Aqui, são as margens de um canal de drenagem.
É incrível, é medíocre, é inusitado, é triste, mas é a realidade.
Por falta de outras alternativas, esse espaço passou a ser referência na cidade e é ponto de convergência de praticantes de cooper, ciclistas, corredores matinais e noturnos e atraiu inúmeros bares, choparias, lanchonetes, restaurantes, serviços 24 horas, etc.
Nessa cidade sem janelas e sem horizontes (literais e figurados), a esplanada da doca engendra uma atmosfera rica em movimentos, luzes, cores e gentes, que bem caracterizam o espaço plural, amplo e democrático comum a qualquer cidade.
E isso não se deu por acaso, seu atual florescimento, aconteceu justamente em função das melhorias urbanísticas que ali foram introduzidas recentemente.
No entanto, diante da decisão, ao que parece definitiva, de realizar o Carnaval de Belém na Doca, estamos ameaçados de ver destruídos os atributos urbanísticos que fizeram da Doca uma referencia no espaço da cidade.
Os encarregados pela organização do Carnaval, afirmam que estão tomando providências para evitar que sejam destruídos os gramados, os jardins e o mobiliário urbano ali colocados. A dúvida é justamente essa. Até que se prove o contrário, com os recursos hoje disponíveis pela PMB, não creio que se logre um bom resultado na disposição de preservar o lá construído.
A desfiguração dos jardins e do mobiliário urbano existentes, poderá interromper a tênue tendência de renovação urbana e revitalização econômica, que se verifica no eixo da Doca e já dá sinais de se expandir para o bairro do Reduto, que vem de um período de decadência.
Mesmo aqueles que como eu, antes de sua realização, não considerariam as obras realizadas na Doca uma prioridade, agora, diante do fato concreto que a dinâmica da vida urbana criou, temos que repensar nossas posições, até porque, antes de ser empreendimento deste ou daquele prefeito, foi serviço feito com recursos públicos, o que portanto, não pode sofrer ameaça de ser destruído. Cada pezinho de grama ali existente, tem a contribuição fiscal de todos os habitantes da cidade.
Será que não somos capazes de encontrar um outro local com as mesmas características da Doca mas sem esses inconvenientes?

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