sábado, 28 de agosto de 2010

A pobreza cultural de Belém

Recebi no meu email de um amigo de Salvador, não sei quem é o autor, nem concordo com tudo que ele diz, mas experimente, troque Salvador por Belém e verá que cabe como uma luva.


A pobreza cultural de Salvador
por Gil Vicente Tavares

Há um equívoco grave em relação ao que se pensa sobre a cultura, em Salvador. 
Por conta desse pensamento comiserado de incensar os oprimidos – doença nefasta que é um dos grandes equívocos reforçados pela era Lula – a exaltação da cultura própria, endógena, popular, chegou a uma hiperbólica cegueira sobre a pobreza cultural que nos assola. 
Todos os países intelectualmente espertos souberam dialogar com outras culturas, outros povos, outros modos de produção, criação e identidade, para se reinventarem. Há, ao redor do mundo,  programas de intercâmbio, de residência e de estudos de outras culturas que fazem com que, dessa mistura, possam florescer novas formas de pensar, de agir e de criar.
Aqui, em Salvador, há esse pensamento equivocado de que somos uma cultura forte e rica. Mentira. Somos uma cultura fraca e pobre, justamente porque nos fechamos em nossa própria cultura, folclorizando e exaltando ela como algo maravilhoso, especial, diferente de tudo.
Por trás dessa baianidade, se esconde a opressão de nos caracterizarmos como pessoas que falam alto, cospem no chão, mijam na rua, são felizes em sua miséria, não estudam, não crescem. Há uma opressão em relação ao negro soteropolitano, pois legitimar a imagem do negro falastrão, esculhambado, folgado, malandro, ignorante e cheio de ginga é a pior forma de se lutar contra o preconceito e a segregação. Devíamos, sim, lutar para termos mais “miltons santos”, e não legitimar o que nos empobrece, indignifica e nos folcloriza.
Azelites baianas são as mais estúpidas que eu conheço. Poderíamos pensar que esse baiano raso, de cultura pobre, estaria nas camadas baixas, mas basta ver as atrações da “chopada de medicina” pra percebermos que nazelites o problema é bem pior. Onde se poderia ter um acesso diferenciado à educação privilegiada, livros, concertos, exposições, a coisa fica mais feia ainda, pois, ao menos, as pessoas menos favorecidas, financeiramente, de Salvador, trazem em si a pobreza cultural própria, autêntica e legítima.
Sinto muito, mas é pobre, sim. Uma população precisa ter acesso a todos os meios culturais para enriquecer sua cultura. Dizer que sambar, comer acarajé, ir pro candomblé e jogar capoeira é ter uma riqueza cultural é balela. É pouco. Como é pouco alguém que passa o dia ouvindo Mozart e nunca viu o Ilê Ayê subir o Curuzu.
É natural que, num povo onde se exalta a mediocridade de se bastar com sua cultura endógena, a cultura seja rasa e as possibilidades exíguas. Com isso, não tem teatro, música, dança nem literatura que se sustente. E, o pior, começa-se a pensar que o “especial” povo de Salvador tem suas particularidades, num egocentrismo pateta que serve de desculpa à falta de educação e cultura de nossa população.
Enquanto os governos, as instâncias privadas e públicas responsáveis por diretrizes culturais, enquanto os pseudo-intelectuais que se valem de modismos pra serem publicados e incensados, enquanto esse pessoal todo continuar legitimando nossa pobreza cultural, não haverá como melhorar nossa miséria. Não poderemos pensar em uma economia da cultura, em um mercado de trabalho digno pro artista, onde ele não precise de emprego paralelo, nem tampouco depender 100% do estado, pra poder sobreviver e fazer sua arte.
Salvador tem um potencial imenso, pelos pensadores e artistas que tem, pelos recursos, pela inventividade, pra se tornar uma cidade do século XX. Desde a década de 50 que tentamos. Mas a persistência no amadorismo, no folclorismo e no medo de crescer que acomete as províncias, em geral, faz com que o século XXI seja um futuro inalcançável, por enquanto. Tornemo-nos modernos, por enquanto. Já é um começo.
Vamos parar de achar que Salvador é linda, que seu povo é lindo, que sua cultura é linda. Um bom começo é ensinar as pessoas a ver a poesia das coisas. Estamos petrificados frente à poesia do mundo.
E pra que se aguce a possibilidade de ler a poesia das coisas é preciso educação e cultura. Outra cultura. A cultura que não querem dar ao povo; seja porque acham lindo o povo ser do jeito que é, seja porque é mais difícil fazer uma revolução cultural sólida, ou seja, principalmente, porque um povo culto vai perceber melhor a merda em que está vivendo e os merdas que estão no comando.

4 comentários:

  1. Oi Flávio! A diferença entre Belém e Salvador seria enorme, embora algumas considerações no texto se apliquem a ambas. Belém é mais aculturada - no bom e no mau sentido - mais vulnerável à influência cultural do eixo Rio-São Paulo, o que pode até não ser de todo mau, tendo em conta a abertura cultural que se vive nos grandes centros de difusão de arte e cultura. Onde a educação é sólida, a riqueza cultural pode ser mantida apesar das trocas de influência, sem essa exarcebação que fez com que a cultura bahiana saturasse o cenário nacional das artes. Incensar... isso é algum novo modismo bahiano? como o "focar" carioca?

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  2. Caro Flávio, descobri por acaso essa sua "reprodução" e fiquei muito feliz. A internet serve muitas vezes como uma guerrilha contra os grandes meios de comunicação. Vou dar uma olhada em seu blog, também. Sou louco pra conhecer Belém, tenho amigos aí, mas nunca aconteceu uma oportunidade de visitar sua cidade.
    Se tiver interesse, dê uma olhada depois no site do meu grupo (www.teatronu.com), que dá acesso ao blog onde posto textos como este, há mais de 4 anos, discutindo arte, cultura e sociedade.
    Cara Ana Lúcia, o termo "incensar" consta há séculos no vocabulário português como expressão que designa "cumular de lisonjas, elogiar excessivamente; adular, bajular, lisonjear". Outro fato curioso é que a derivação de Baía pra Bahia ficou só no nome do estado, quando falamos em quem nasce aqui, falamos em baiano; não há o "h" nessa designação.

    abraços,

    GVT.

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  3. Tudo a ver:

    Um candidato vem veiculando no horário de propaganda eleitoral que derrubou o projeto de lei de um senador do Acre, que obrigava a pasteurização do açai, e em consequência intitula-se "defensor do açai e dos paraenses". Veja notícia veiculada em O Liberal sobre o que ocorre com o açai que consumimos, e tire suas conclusões.

    "" Vigilância faz alerta sobre açaí impróprio

    Saúde - Testes em 82 amostras indicam que 54 delas tinham coliformes fecais

    Em pelo menos 20% dos pontos de vendas de açaí visitados pelo Departamento de Vigilância Sanitária (Devisa) da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), o produto comercializado estava contaminado. Desde o início do ano, a Devisa recolheu amostras de quase 250 pontos em Belém. O órgão já tem em mãos os resultados de 82 amostras. Foi detecada a presença de coliformes fecais em 54 locais de venda, sendo que em 22 casos, o problema estava no caroço e nos outros 32 casos, no açaí já batido. Na próxima semana, começa o trabalho de interdição dos locais onde a situação é mais precária. 'Dentro do alimento você não pode ter coliformes, porque significa que você teve contato com dejetos. Você tem que assegurar que o alimento vai ser isento desse tipo de bactéria. Isso é sério, é grave. A população, com certeza, está ingerindo produto de pouca qualidade', disse Marcos Alvarez, diretor da Devisa.

    O Serviço de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) estima que existam mais de 4 mil ponto de vendas de açaí em Belém. 'Na capital se consome em torno de 200 mil litros do produto por dia', destaca Alvarez. A preocupação, agora, diz respeito à qualidade do produto ingerido pelos belenenses. Até o final do ano, o Devisa pretende inspecionar pelo menos 500 pontos. 'Para termos uma estatística, dar um raio do que está acontecendo nas revendas', explica o diretor. Ele afirma que o órgão orientou os batedores sobre como preparar o alimento. 'Mas, muitas vezes, essas pessoas que batem, principalmente nas periferias, não têm um cuidado de higiene', observa".

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  4. Quando recebi o seu texto, que me foi enviado por um amigo de Salvador, concordei com grande parte de suas idéias e pensei, vou pesquisar no Google para saber quem ele é, e depois vou publicar em meu blog. Mas mudei de idéia, se concordo com as idéia por que preciso saber quem é o autor.
    E publiquei.
    Também, sempre que posso tenho acompanhado seu blog.

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